Entrevista: Ana Claudia Arruda, presidente do Corecon PE em 2015, 2016 e vice-presidente atual.

A economia brasileira vem enfrentando nos últimos anos, especificamente do final de 2014 até o momento, por uma série de desafios que comprometem o seu desenvolvimento, como inflação, desemprego e juros altos. Para uma compreensão mais ampla, aprofundada e pertinente desse cenário, marcado por desafios e questões de alto grau de complexidade, o Conselho Regional de Economia de Pernambuco, CORECON-PE, dá início à sua série de entrevistas com personalidades de destaque da cena econômica, que apresentarão suas diferentes perspectivas e expectativas.
Nesta primeira entrevista, Ana Claudia Arruda Laprovítera, presidente da entidade, irá abordar os reflexos desse contexto provável na gestão das cidades, apresentar dados recentes de pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e falar de outras temáticas de relevo para a compreensão da economia nacional e global contemporânea. Além de presidir a instituição, Ana Claudia Arruda é Doutora em Desenvolvimento Urbano pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mestre em Economia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Analista do Sebrae Pernambuco.
Os Corecons estaduais, que atuam em parceria com o Cofecon, vêm desempenhando atividades que buscam contribuir para a qualificação de profissionais e estudantes da área. Como você enxerga a presença da entidade em Pernambuco?
O Corecon-PE conta atualmente com aproximadamente 2 mil inscritos, distribuídos entre a capital e demais cidades de Pernambuco. Ao longo de sua trajetória de 60 anos de funcionamento vem se destacando, no Estado de Pernambuco, como uma instituição que trabalha não só a regulamentação e fiscalização da profissão dos economistas, como também, como instituição inserida no debate técnico e acadêmico apresentando-se e posicionando-se nos fóruns de discussão nacional, estadual e da Cidade do Recife. Ao longo dos últimos dois anos além das parcerias criadas com empresas prestadoras de serviços na assistência aos economistas associados (como planos de saúde, descontos em academias de ginástica, cursos preparatórios para concursos, entre outras) temos investido fortemente na retomada e criação de algumas ações como o Prêmio Pernambuco de Economia Dirceu Pessoa, que premia monografias de Graduação voltadas para a Economia pernambucana e regional; a Gincana Pernambucana de Economia que é uma competição entre estudantes dos diversos cursos de economia do estado e visa, além de testar o conhecimento acadêmico dos alunos, testar, também, suas habilidades de estrategista condutores da política macroeconômica. Este ano uma dupla pernambucana, da UNICAP, ficou entre os três primeiros colocados do Brasil, o que nos honra bastante como um Estado que possui Instituições de ensino de economia que forma estudantes de alta performance acadêmica e técnica. Estruturamos junto ao PIMES- Programa de Pós Graduação em Economia da UFPE uma forte parceria para a criação do Encontro Pernambucano de Economia- ENPECON que se encontra em sua terceira edição, com mais de 100 trabalhos submetidos anualmente. Nos ENPECONS são publicados os melhores trabalhos e concedidos honrarias a personalidades envolvidas com a temática econômica. No ano passado concedemos comendas às personalidades jornalísticas: Fernando Castilho e Aldo Paes Barreto. Além dessas ações participamos de diversos conselhos a exemplo do Conselho de Desenvolvimento Urbano da Cidade do Recife-CDU, JUCEPE- Junta Comercial do Estado de Pernambuco, entre outros.

Nos últimos tempos, especificamente da virada de 2014 para cá, a economia brasileira vem passando por uma série de transformações que repercutiram em diversos setores, acarretando desafios como o aumento do desemprego, a queda da renda, o fechamento de indústrias e empresas, a perda da competitividade internacional, o declínio de investimentos, entre outras consequências, a maioria negativas. Como você enxerga esse cenário?
Crises não são eternas. Elas vêm, agem e passam...  Como em outros casos que já aconteceram no Brasil e no mundo, elas vieram, atuaram e terminaram em um determinado momento. O importante e decisivo é acreditar no futuro e no Brasil e trabalhar sempre, produtivamente, sem jamais abdicar do imperativo da justiça como condição essencial da paz social, para a superação mais rápida possível deste atual momento crítico que vivemos. Ademais, crise é um forte sinal para abrirmos mais os olhos para erros e concessões indevidas toleradas, e, sobretudo, crise é também oportunidade para resolvermos problemas mais sérios e recorrentemente postergados, como as reformas no campo político, econômico e social que o Brasil tem cobrado em vão de suas lideranças. Afinal, o que está em jogo, a grande discussão é sobre o dia de amanhã e sobre o futuro próximo e remoto do Brasil, onde vamos viver a maior parte de nossas vidas e a vida de nossos filhos e netos. Neste contexto, realça em primeiro lugar que o Brasil precisa de uma nova política desenvolvimentista, onde muita coisa tem que ser reestudada.
Um dos entraves ao desenvolvimento é a questão da reindustrialização nacional. Como lidar com esse dilema e atingir novos patamares da indústria brasileira de forma concreta e estruturada?
Se impõe como  necessário várias medidas econômicas com rebate positivo também em outros setores, e entre essas: estabilidade financeira; estabilidade   política e segurança jurídica, confiabilidade social e estímulo  ao investimento de risco;  política proativa  de inovação tecnológica  e de melhoria da produtividade;  baixar a  taxa de juros; taxa de câmbio competitiva;  fortalecimento da infraestrutura econômica; política de integração nacional e de fortalecimento do grande mercado interno brasileiro, etc.
Tudo isso, porém, requer profundas mudanças, não só na política econômica e política geral, mas também na gestão governamental em todos os níveis e setores da administração e do serviço público, buscando sempre economia de meios e maior eficácia nas ações. Não há, portanto, saída fácil. Neste contexto, repita-se, como não podemos perder o espaço histórico que já ocupamos como potência industrial e os efeitos integrativos e multiplicadores da indústria no sistema econômico interno, ressalte-se como fator estratégico para a retomada do desenvolvimento a necessidade de “reindustrialização” da economia nacional.
É bastante comum que a população encare essa crise como um fato exclusivo da atualidade. No entanto, é sabido que o país já passou por outros contextos até bem mais adversos. Na sua opinião, quais os períodos mais relevantes, no passado, que ajudam a compreender melhor a cena contemporânea?
Numa breve análise histórica e retrospectiva, um dos aspectos notáveis que diferencia o comportamento da década de 1980 e 1990 é o fato de a década de 1980 ter convivido com elevadas taxas de inflação, enquanto que a performance da década de 1990, a partir de 1994/1990, foi alterada com a implantação exitosa do Plano Real, quando foi introduzida a política básica de estabilização econômica, associada, também, a medidas de cunho reformista. Os anos 2000, por sua vez, foram marcados por avanços nas políticas sociais, bem como pela continuidade de estabilização da moeda, mas com retrocesso e forte desajuste fiscal e outras distorções de políticas produtivas. Isso foi acentuado nos anos 2008 e 2009, com amplas desonerações fiscais desordenadas em setores econômicos não estratégicos e sem dúvida em decorrência de grupos de pressão diretamente interessados, mas que repercutiram negativamente em outros setores da economia e inviabilizaram uma política de integração competitiva, com queda de produtividade nos setores mais protegidos. Assim, a recessão econômica, que começou em 2014, acentuou-se no corrente ano de 2016. Nesse quadro de dificuldades, o desajuste fiscal hoje passa a ser o maior desafio da economia brasileira, considerando-se que a redução da atividade econômica e a correlativa redução da base tributária geram espécie de círculo vicioso da crise, com a perspectiva de diminuição das receitas do governo no que pese aumento de gastos governamentais.
No âmbito da educação e da saúde dos municípios, quais foram os principais efeitos da crise?
Confederação Nacional dos Municípios - fez uma pesquisa junto às prefeituras municipais de todo o país. A pesquisa abrangeu 5.568 municípios brasileiros, obtendo sucesso com 73,3% desses. A pesquisa foi iniciada em 04 de setembro de 2015 e concluída dia 13 de novembro do mesmo ano, quando se buscou também indicação dos principais problemas e dificuldades para esses entes federativos municipais. Assim, um dos primeiros sintomas da crise foram problemas no custeio da educação. Entre os 2.844 municípios (70,07%) que sentem as consequências em tal área, 40% estão com recursos insuficientes para a manutenção das frotas de ônibus para transporte de estudantes do meio rural, e 39% estão com escassez de recursos para o pagamento do piso do magistério, entre outras dificuldades apontadas.
Quais as medidas de curto prazo que podem ser tomadas para solucionar esse quadro e finalmente promover a retomada do crescimento?
o que se pode observar é que a  crise é estrutural e tem raízes antigas, entretanto, medidas urgentes de curto prazo precisam ser tomadas de imediato, dentre essas: enfrentar o “déficit” público, implementar maior grau de racionalidade e maior grau de eficiência administrativa no setor público, apresentar “superávit” primário, câmbio desvalorizado, baixa taxa de juros e taxa de câmbio  competitiva. Os preços macroeconômicos (juros, lucro, câmbio e inflação e salários) precisam estar no lugar certo. Por seu turno, no que pese a necessidade de preservação e maior racionalidade nos gastos sociais, o Brasil precisa retomar seu ritmo desenvolvimentista em ambiente de sustentabilidade, geração de emprego ou oportunidades de trabalho, e de melhoria do bem-estar para todos, e em cuja estratégia de ação a reindustrialização, a integração competitiva ao mercado internacional e o fortalecimento do mercado interno são fatores decisivos e essenciais.
Outro importante setor afetado pela recessão econômica foi o de transportes, que em 2013 viveu o seu melhor momento, mas há dois anos foi fortemente atingido pela redução significativa de investimentos públicos.  Qual a importância desse segmento para a engrenagem econômica nacional?
A infraestrutura de transportes se constitui em grande indutora do crescimento econômico, do desenvolvimento social e do aumento de produtividade de qualquer economia nacional. No Brasil a falta de adequado planejamento e investimentos essenciais, a infraestrutura de transportes, nos últimos 20 anos, não foi capaz de acompanhar a expansão e as necessidades da atividade econômica nacional, sobretudo em relação ao agronegócio. A expansão agrícola (produção de soja, milho, avicultura, inclusive de produtos minerais) para o interior e Oeste do país impactou diretamente na falta de oferta de rodovias e ferrovias, fato este que vem acarretando aumento nos custos de escoamento da produção dos produtos exportados, representando um dos principais itens do chamado Custo Brasil. O custo para levar a produção do “interland” até os portos marítimos brasileiros para exportação é mais elevado do que em outros países, a exemplo da Argentina e Estados Unidos.
Assim, os graves problemas na infraestrutura de funcionamento do sistema de transportes brasileiro é sem dúvida um dos principais entraves à integração competitiva dos mercados internos e externos, acarretando perda de produtividade, aumento nos custos de produção e redução dos lucros de grande parte das empresas brasileiras. Trata-se de um problema crônico antigo e ainda não resolvido, sendo um dos responsáveis, em última instância, pela baixa ou perda de competitividade do país, e com grande impacto na agenda microeconômica. Tal deficiência gera impactos diretos sobre a remuneração dos fatores produtivos, em especial o capital e o trabalho, e atinge frontalmente o grau de eficiência global da atividade econômica nacional no seu todo.
Como você analisa a retomada de importante obras para o desenvolvimento do Nordeste, como a ferrovia Transnordestina? Em que medida elas são essenciais para a infraestrutura do país como um todo?
A retomada intensiva das atividades para se concluir a implantação de investimentos em infraestrutura de transporte ferroviário no Brasil, a exemplo do projeto da ferrovia Transnordestina no Nordeste, assim como de outros  investimentos semelhantes já iniciados e em curso, decerto é decisão racional e de alta prioridade programática, e são essenciais para a dinamização e fortalecimento  da economia em geral, em especial da atividade agroindustrial e industrial regional e das atividades exportadoras.
Enfim, na esteira da expectativa de retomada do nosso processo de desenvolvimento, impõe-se consolidar a efetivação desses investimentos estruturadores tecnicamente definidos e de implantação já iniciados e evidentes como necessários para o desenvolvimento econômico, financeiro e social, sobretudo pelos efeitos e benefícios macroeconômicos deles resultantes, para o que se requer vontade política decisiva, ação cooperativa e união dos interessados na sua execução. Destaque-se ainda como méritos especiais desses investimentos de infraestrutura o fato de se constituírem como instrumentos estratégicos e eficazes para a integração com as diversas cadeias produtivas, muitas de grandes potencialidades de crescimento, existentes e distribuídas dentro das regiões e interestados federativos.
Ainda falando de Nordeste, o turismo na região ainda desponta como uma de suas mais pujantes atividades econômicas. Quais os principais fatores que tornam a capital pernambucana um centro de forte atração em termos de economia turística?
No que concerne ao contexto da procura por regiões e cidades, a cidade do Recife destaca-se como um importante “locus” turístico de atração regional e como fruto dos seus vários atributos específicos desta opção. Revestida de várias qualidades e condições que lhe garantem a posição de grande metrópole regional, a Cidade do Recife destaca-se como de grande importância econômica e cultural tanto para o Estado como dentro da Região Nordeste e também Brasil. De forte imagem histórica, grande beleza arquitetônica e natural, centro cultural de museus e notáveis oficinas de artes plásticas, além de refinado polo gastronômico, com ampla infraestrutura de apoio turístico, a exemplo da sua rede de hotelaria, do excelente Aeroporto Internacional com relativo alto nível de desenvolvimento econômico e social; somam-se, ainda, diversas outras economias de aglomeração e atratividade turística na metrópole recifense que a destacam como polo no contexto regional e nacional. Enfim, a Cidade do Recife desfruta de forte potencial e de notórias vantagens competitivas como polo de atração turística, quer pelos fatores já mencionados, e todos decorrentes de sua estrutura física e seus relacionamentos econômicos, políticos e culturais, quer pelos nacionalmente destacados núcleos de economia criativa e tecnologia de informação. O município reúne, assim, amplos e poderosos atributos que reforçam a sua posição como extremamente atrativo para o turismo em geral, e em especial para o turismo cultural e de negócios. 
Com o dólar em alta, o fluxo de brasileiros viajando pelo próprio país aumentou substancialmente nos últimos meses. Quais os indicadores que analisam esse movimento?
Segundo estudo recente produzido pelo Ministério do Turismo (MTur) intitulado “Sondagem do consumidor: intenção de viagem”, de janeiro de 2016, traz indicativos interessantes e positivos para o turismo interno. Do total de brasileiros que pretendem viajar nos próximos seis meses, 81,7% desejam visitar destinos turísticos nacionais, tendo sido essa a maior intenção voltada para o mercado interno registrada nos últimos cinco anos (em janeiro de 2015 era 73,6%). Pode-se dizer que a desvalorização cambial foi certamente o principal fator motivador desse resultado. Quanto aos meios de transporte e demanda provável por macrorregião nacional, o resultado foi o seguinte: o percentual de turistas interessados em usar o avião (50,8%) ainda é maior que os referentes à utilização do automóvel (38,8%) como meio de transporte, sendo a região Nordeste a mais procurada, detendo a preferência de 49,4% desses brasileiros, seguida pelas regiões Sudeste (21,3%) e Sul (17,5%). A pesquisa procurou também analisar as preferências para viajar pelo Brasil por faixas de renda dos consumidores. Isso indicou rebate sobre a escolha do meio de transporte pelos usuários de turismo, tendo-se registrado forte decréscimo do percentual de preferência do deslocamento por via aérea e elevação da escolha de utilização do automóvel, o que retrata a queda de renda do consumidor brasileiro.

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